DEPOIMENTO DE HÉLDER FERNANDO

 

Como sou mais da palavra, sinto-me aflito para me referir à obra de aberturas multiplicadas - mais do que um leque japonês, ou chinês? – de António Conceição Júnior. Mas como o artista também não cria apenas para os entendidos, mais fácil é criar para ele próprio, arrisco o irresistível impulso duma reacção sumária e primária.


Sei, António, que um dia alguém te chamou "um homem da Renascença". Quem nos dera que há 500 anos tivesse existido em Macau renovadores como tu, reconstrutores como tu, sem a mácula, muito comum no Renascimento e fora dele, da imitação reles. Entendo que seres hoje "homem da Renascença" é evocares, como soberanamente fazes, tantas "brumas da memória" para as reconstruires na construção duma coisa outra - objecto ou palavra.


A arte tua vejo-a, humildemente, mundana e eremita. Afinal como tu és, feiticeiro. Eterno apologista da partilha, que não escapas porque desobedeces e acabas por te envolver nos teus próprios feitiços. Profundo português deste Oriente, devias ter vivido, também, na África não citadina. Por lá, os mais sensíveis e os mais ousados também devem obediência a segredos que vêm do profundo próprio da vida.


Desculpa os meus limites impedirem que fale da plasticidade da tua obra; no esboço, no desenho do selo ou da medalha, no móvel reinventado, no vestuário, na cenografia, na banda desenhada, na joalharia, na ilustração, nas espadas - meu Deus, nas espadas!

E quando fotografas, tu museografas continuando a esculpir, a fragmentar desfragmentando.


E há, por fim - por fim?, qual fim qual nada, o acertado será dizer antes de tudo ou durante tudo - a palavra. A tua palavra filigranada e ao mesmo tempo espontânea; elegante como um sabre japonês, magistral como um filme de Bergman ou a Sinfonia da nossa vida. Mas sem pedantismo.

Obrigado António Conceição Júnior, por há mais de vinte anos me deixares ser habitante de alguns dos teus espaços.


Helder Fernando

Jornalista, Escritor, Radialista


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