DEPOIMENTO DE ROBERTO CARNEIRO
A SINGULARIDADE MACAENSE EM
ANTÓNIO CONCEIÇÃO JÚNIOR
O fluir dos séculos pouco esclarecimento tem proporcionado a este fenómeno.
Com efeito, a singularidade macaense inscreve-se melhor no catálogo dos mistérios do que no das categorias racionais. Por esse motivo, ela foge aos limites estritos da previsão humana, escapa à inventiva do córtex cerebral e à sistemática das suas representações.
Desígnio da Criação? Mero capricho do destino? Acaso da História? Ou simples combinatória de mundos? Ninguém o sabe, verdadeiramente.
Todas as nações têm a sua narrativa. Umas mais densas, outras mais extensas.
A nação macaense mistura caminhos, baralha histórias, desconcerta trajectórias. Em boa verdade, ela estabelece um enigma: ela é uma excepcionalidade no espaço e no tempo, é um daqueles exemplares raros que decorrem de um desvio da história, resultam de um acidente, matematicamente improvável, ocorrido na química dos povos.
Esta singularidade é nómada.
A condição macaense está ferida de errância no mundo… e no próprio território-berço que a gerou. Ela nasceu migrante há quase cinco séculos, afectada por uma atávica pulverização, saudosa de raízes que transporta mas raramente implanta. Uma espécie de colectivo individual que dilacera o sentido de comunidade sem a destroçar.
Neste destino de entreposto, a vivência macaense está sempre por cumprir, como se de fadário inatingível e trágico se tratasse.
No seu sortilégio, a condição macaense no mundo joga-se contra um horizonte de contingência: tudo se cria, tudo se perde. Como um perpétuo jogo de azar. O desprezo pela quantidade e a ausência de medição são constitutivos: quantos são? que produzem? quanto valem? Pouco importa. A métrica pauta-se por parâmetros imateriais e pouco discerníveis para mentes ocidentais.
A "tecnologia" macaense reside, então, na sua enorme criatividade. Partindo de uma interpretação própria do mundo, que combina fétiches e teoremas, taoísmo e cristianismo, mistério e razão, a presença macaense é feita de artefactos que simbolizam uma forma peculiar de interpretar o universo do Yin e do Yang.
Os macaenses são a expressão corpórea dessa singularidade.
Nesse corpus de nação – as pessoas concretas – realiza-se o activo mais palpável de um legado consuetudinário, formula-se um credo de continuidade.
Falar de Macau contemporâneo, de macaenses talentosos, de criatividade intercultural, é falar de António Conceição Jr.
Uma terra é grande quando sabe celebrar os seus maiores, admirar os que se distinguem em cada geração, identificar aqueles que pairam acima da lei da mediocridade. A grandeza de Macau é indiscernível da dos filhos da terra.
António Conceição Jr. representa, por si só, a personalidade colectiva dos macaenses, a nação mergulhada no complexo interior de um só Homem, a suprema contingência do ser e do viver nas dobras da história. Nele tem lugar a criatividade conjugada no plural, produto de uma sensibilidade plurifacetada, de uma personalidade multiforme.
Dotado de um invulgar talento e apoiado por uma cultura vastíssima, fruto de uma reflexão sofrida sobre as suas complexas origens e os seus amplexos destinos, António Conceição Jr. atingiu hoje a plena maturidade do filósofo, que em tudo descortina significado, e a do artista que nas mais ínfimas coisas lobriga beleza.
Ele é do melhor que Macau hoje lega ao Mundo, de uma estirpe que nenhuma outra nação, por mais poderosa ou rica, desdenharia albergar no seu íntimo. É o macaense no superlativo.
António Conceição Jr. é um aristocrata da cultura e um cidadão universal, que realiza, ao seu modo singular, a gesta macaense, igualmente singular. Uma meta-singularidade feita de paixão e brocada a ternura… pela sua terra, pela sua história, pelas suas gentes, pela sua aleatória condição.
Ele pertence a essa raça especial do Homo Creator. Uma estirpe de homens que não foram feitos para imitar. O seu reino é o da irrequietude, o da permanente criação. O seu diálogo com o mundo é sempre pioneiro, feito daquela vigília activa que prenuncia a irrupção produtiva a qualquer momento.
Elegante no fazer e eloquente no dizer, tudo reunindo no dizer fazendo ou no fazer dizendo, a sua devoção à obra é total, convocando entrega, devoção e plenitude.
Conhecer o Artista é um privilégio. Falar com o Homem é um prazer. Disfrutar a sua Criatividade é um acto de cultura. Trocar ideias com a Pessoa é uma fonte de inspiração. Partilhar projectos com o impenitente Sonhador é revigorar a Esperança. Conviver com a Família é perceber a fortaleza.
Agradeço a Deus o ter-me proporcionado o Dom de o encontrar.
Agradeço a Macau a generosidade de aceitar partilhar essa pérola humana, comigo e com o Mundo.
Agradeço ao António Conceição Jr. tudo o que me tem dado e ensinado.
A sua obra perdurará pelos tempos fora, como inestimável dádiva macaense a benefício do património da humanidade.
Roberto Carneiro,
13 de Setembro de 1998.
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