DEPOIMENTO DE SÍLVIA CHICÓ DE "HÁBITO • MEMÓRIAS A ORIENTE"

 

Um mundo de virtualidades e invocações, fausto e de exotismo, assim parece ser o requerido pelo gosto actual. Uma busca sensorial e descomplexada no uso de sinais do vestir, num momento, trinta anos depois de Umberto Eco ter declarado na sua célebre "Psicologia do Vestir", que tudo é comunicação, o simples facto de usar ou não gravatas - então consideradas evidentes símbolos fálicos, designativos e representantes de um poder específico - por uma opção ideológica, uma sobrecarga de conotações políticas, que submergia os pobres seres que envergavam essas camisas de forças ou fardas, numa mar de evidências significantes. Actualmente a superficialidade e o ludismo imperam sobre os objectos, desconstruíndo lógicas mais ou menos espartilhadas por conceitos de funcionalidade, o que provoca uma certa nostalgia da hegemonia do intelecto, mas abre também, sem dúvida, um novo caminho à rápida e natural simbiose aculturante, ao trânsito veloz e descomplexado pelas áreas culturais, adicionando e compatibilizando elementos de diversas ordens e famílias estéticas, possibilitando-se o convívio pacífico e quase desresponsabilizado de diferentes situações.

Palavras introdutórias para a exposição de António Conceição Júnior, exemplo de uma situação inovadora, ao nível museológico, por se não tratar exactamente de mais uma exposição de traje, ou de variantes sobre esse tema, mas sim de uma invocação do vestuário, da qualidade plástica e simbólica que os materiais impõem, quase independentemente de quem os veste, ou do contexto arquitectónico em que se inserem. É sobretudo a capacidade invocativa, propiciatória, em que o espectador é inevitavelmente levado a construír mentalmente os ambientes; por vezes sinistros, por vezes do passado, hábitos de fantasmas, coisas de museu ou túmulo, soma de situações que citam o mundo. O mundo dos vivos e dos mortos, dos manequins, mas também das igrejas, em que o Barroco, ou a arte da Contra-Reforma, voltam a fazer sentido.

Actual portanto esta aproximação da arquitectura primordial, primeira forma de controle do meio circundante que, como dizia Bruno Zevi, é o vestuário. Arte que convida a participar, num momento de bovina passividade perante os académico-comerciáveis objectos (que são na sua maioria a má pintura que se vai impondo por razões de prestígio no coleccionismo dos novos ricos), merece todo o nosso entusiasmo, e crêmos, constitui sinal evidente de um importante encontro de talento de António Conceição Júnior, num momento da actualidade em que o design vai anunciando o que de novo em arte está a acontecer.


Sílvia Chicó

Vice-Presidente da Secção Portuguesa

Associação Internacional de Críticos de Arte


Lisboa, 30 de Maio de 1991

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